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Como Fazer Escolhas afeta o Desenvolvimento das Crianças

J. tinha menos de dois anos, e já eram duas da madrugada. Todos estavam dormindo, mas a mãe dele ouviu um barulho no corredor e foi dar uma olhada. J. tinha saído do quarto e estava andando na direção da sala. A mãe decidiu não interromper. Ele foi até a cozinha. A mãe sem interromper. Ele abriu o armário e pegou um copo. A mãe se segurou. Ele encheu o copo d’água, bebeu, colocou o copo na pia e se virou para voltar. A mãe se escondeu. Ele voltou, deitou-se e dormiu de novo. A mãe, feliz porque não tinha interrompido nada, entendeu que as crianças podem mais do que nós imaginamos, mesmo às duas da madrugada.

Cem anos atrás, quando começava a primeira escola de Maria Montessori, ela também tinha dúvidas sobre as crianças, e por isso os materiais ficavam fechados num armário e eram entregues pela professora aos alunos. Mas um dia ela chegou atrasada, e os alunos haviam aberto o armário e, com a ajuda de uma cadeira, acessaram todos os materiais, os escolheram livremente, e começaram a trabalhar.

Foram as crianças que mostraram que elas mesmas precisavam de liberdade de escolha para alcançarem um bom desenvolvimento.

Não poderia ter vindo de um adulto. A idéia, o princípio mesmo, de que o adulto devesse se retirar para dar lugar à criança, nunca poderia ter vindo do adulto.

Maria Montessori, 1942

Hoje, a idéia de que devemos respeitar as escolhas das crianças, e a habilidade delas de fazer escolhas e lidar com as conseqüências, é uma noção mais comum. Mas por que devemos fazer isso? O que acontece com o desenvolvimento das crianças quando elas podem escolher?

1. Desempenho

Estudos realizados nos últimos quarenta anos apontam que crianças (e até mesmo adultos!) que podem fazer escolhas durante a realização de uma tarefa costumam ter resultados muito melhores no que fazem. Faz sentido, não é? Se podemos controlar até mesmo coisas mínimas, como o lugar onde vamos trabalhar, isso influencia bastante nosso desempenho.

2. Persistência

Pode parecer inacreditável, mas quando uma criança escolhe uma atividade, é capaz de permanecer nela por até quatro vezes mais tempo do que uma criança que faz a mesma atividade, mas sem escolher – é a diferença entre 15 minutinhos e uma hora inteira de esforço e concentração.

3. Motivação

Nesse caso, nem é necessário apresentar um estudo (embora ele exista). Quem escolhe o que vai fazer se dedica com mais vontade. Se outra pessoa escolhe por nós, somos até capazes de fazer, mas a vontade é muito menor, e talvez por isso o impacto sobre a persistência e o desempenho seja tão grande.

4. Felicidade

Desde a infância até a idade adulta, explica a psicóloga cognitiva Angeline Lillard, a sensação de controle sobre o ambiente tem efeitos positivos sobre o bem estar humano, enquanto que a falta desse controle tem efeitos negativos. E isso é verdadeiro tanto para a casa quanto para a escola. Se queremos que nossos filhos sejam felizes, devemos oferecer a oportunidade de fazerem boas escolhas.

5. Menos problemas emocionais

Um estudo de 2018 mostrou que mesmo antes dos seis anos de idade é possível perceber que crianças que podem fazer mais escolhas, mesmo que tenham de lidar com conseqüências desagradáveis das escolhas que fazem, desenvolvem um equilíbrio e um controle emocional e social melhores. Na adolescência, uma vida inteira de escolhas e conseqüências, em vez de proteção e passividade, fazem toda a diferença, e influencia bastante o desempenho acadêmico e o comportamento dos adolescentes.

6. Conseqüências para a Vida Adulta

Um outro trabalho, este de 2016, encontrou uma relação importante entre a saúde física e o bem-estar de adultos e o estilo de criação que tiveram na infância. Adultos que foram criados de forma menos controladora, e com mais suporte para o desenvolvimento da autonomia, com permissão para fazerem escolhas e lidarem com as conseqüências delas, tornaram-se adultos mais felizes e mais saudáveis do que os do outro grupo.

Não faltam motivos para alimentarmos em nossas crianças a habilidade de fazer escolhas e o equilíbrio emocional para isso. Às vezes nos falta a disposição. A boa notícia, neste caso, é que quanto mais permitimos que as crianças façam escolhas (dentro das opções que são saudáveis para elas), melhores elas ficam nisso, e vai ficando mais e mais fácil para nós, adultos.

Podemos terminar com uma pergunta de Montessori:Você alguma vez deu ao seu filho, mesmo que só por um dia, a oportunidade de fazer o que ele quisesse, sem interferência? (Maria Montessori)

Gabriel Salomão

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O Milagre da Concentração

Não existe nada mais importante no desenvolvimento do que a atenção. Estar atento é saber que se está vivo. Quando a criança presta atenção a alguma coisa, o que acontece não é só que ela aprende a coisa, é que ela aprende a si mesma. Ela descobre que ela mesma existe, age, pensa e sente.

A concentração é o ponto mais importante da vida de qualquer ser humano. Mas para a criança isso é ainda mais verdade.

Quando as crianças nascem, são profundamente concentradas. É esse o brilho que vemos nos olhos do bebê que tenta segurar um bichinho de borracha bem à sua frente. Esse é o segredo da força da criança que cai e levanta dezenas de vezes por dia, sem desistir, quando está aprendendo a andar. A concentração é o milagre que gera força e vida na criança pequena.

As crianças perdem a capacidade de concentração conforme os anos passam, porque não têm mais liberdade para perseguir aquilo que é importante para seu eu interior. Um bebê pode passar horas tentando pegar e bater nas peças de um móbile. Mas nós não permitimos que uma criança de dois anos abra e feche todas as gavetas da casa, incluindo a cozinha, e nem permitimos que ela suba e desça as escadas quantas vezes e pelo tempo que quiser. Isso faz com que não valha mais a pena se concentrar, porque aquilo que é importante de verdade ela não pode fazer. Em Montessori, nós temos caminhos para ajudar a criança a chegar à concentração de novo. Não são caminhos rápidos, nem fáceis. Mas eles funcionam todas as vezes. Neste texto, você terá um passo a passo, menos específico do que o da escola, mas útil para integrar à sua vida com seu filho, e ajudá-lo a reencontrar a concentração perdida.

1. Dominar o corpo.

Ninguém se concentra com um corpo descontrolado. Nossa primeira tarefa com a criança é ajudá-la a perceber que ela tem um corpo, de novo. Andar com elas ajuda muito. Incentivar que se equilibrem em muretas, que carreguem objetos (mesmo os delicados) e que puxem suas próprias cadeiras, abram e fechem suas portas e gavetas, tudo isso ajuda o corpo a se controlar. E ajuda a criança a começar a voltar para si mesma.

2. Usar o corpo.

Uma vez que o corpo possa obedecer a criança, ele pode ser usado para trabalhar, para atividades com propósito, e é nessas atividades com propósito que a criança se envolve mais profundamente, e se concentra. Agora, o nosso papel se torna apresentar à criança as maneiras de usar a casa. Para nós, são tarefas domésticas. Mas para a criança são passos na conquista da independência, e descobertas fascinantes.

3. Mostre como se faz.

As crianças querem fazer as coisas, mas estão habituadas a serem proibidas, interrompidas e ajudadas. Mude as coisas. Não faça para a criança, mas mostre a ela como fazer. Mostre devagar, faça gestos lentos e cuidadosos, e quase não fale nada. O silêncio ajuda a criança a olhar para as suas mãos.

4. Convide a criança para fazer.

Depois de você mostrar, deixe muito claro que a criança pode fazer quando quiser, e então permita. Pode ser descascar tangeridas e bananas, e pode ser dobrar roupas limpas. Pode ser lavar as mãos ou lavar os pratos. Deixe claro que a criança pode fazer, de uma forma sedutora mesmo, para que ela queira experimentar.

5. Espere e assista

A criança, mais hora ou menos hora, vai experimentar o que você mostrou. Em muitos casos, não vai se concentrar de verdade. Mas aqui e ali, de vez em quando, você perceberá que ela está completamente entregue ao que está fazendo. Quando isso acontecer, não se aproxime. Não ajude, nem elogie. Não olhe muito, e nem sorria. Não faça nada que possa interromper a concentração, desapareça, para que a concentração possa surgir.

6. Responda da forma apropriada

Quando a criança terminar a atividade em que se concentrou, pode ser que chame você, e pode ser que não. Se ela chamar, vá ver, e se ela quiser comentários, descreva animadamente o que você está vendo que ela fez, e pergunte coisas a ela, sorrindo sempre. Mas se ela não chamar, não se aproxime. Ela não precisa da sua aprovação, pois ela mesma se aprovou no que fez, e entrou em contato com o melhor de si mesma.

7. Adote termômetros

Para sabermos se estamos fazendo as coisas certas com nossas crianças, existem duas perguntas: “Elas estão serenas e felizes?” é a primeira. E “Elas se concentram?” é a segunda. Se a criança é serena, feliz e concentrada, podemos ter certeza de que está tudo bem e, se continuar pelo mesmo caminho, vai ficar tudo cada vez melhor. Por outro lado, se a criança não está serena, feliz, e não tem nenhuma concentração, é muito provável que experimentar este roteiro ajude muito você a criar uma educação para seus filhos mais apropriada, mais rica e mais profunda em experiências do dia a dia.

A concentração não é pouca coisa. Não é uma habilidade que uns têm e outros não. A concentração é o ser humano entrando em contato consigo, é a experiência mais profunda que a criança pode viver, e é uma experiência que transforma a maneira como a criança vive a vida, e a ajuda a alcançar um belíssimo equilíbrio interior. Este roteiro, sintético e prático, vai ajudar você a tornar a concentração um hábito em sua casa. Não tenha pressa, e não apresse. A concentração é sempre espontânea, vem sozinha, se as condições estiverem corretas. Nosso trabalho é preparar o terreno, e então assistir e esperar.

Gabriel Salomão

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Crianças jogam coisas. O que fazer em seguida?

Precisamos aceitar que crianças jogam coisas. Temos vontade de resistir. Jogar parece errado. Jogar contraria o apego que sentimos pelos objetos, e parece agressivo e desnecessário. Mas e se jogar não fosse nada disso?

Todas as crianças jogam coisas. Não é o seu filho, nem o filho da sua vizinha que não sabe ser mãe. São todas as crianças. E para quase todas elas, jogar fica interessante entre um ano e meio e três anos. Todas jogam com a mesma vontade e pelos mesmos motivos. E agora, a boa notícia: todas elas podem aprender a não jogar da mesma forma.

O que faz com que crianças joguem coisas?

Há muitas causas em jogo. É bom começarmos lembrando de um fato sobre crianças: necessidades geram comportamentos, e comportamentos são sempre fruto de necessidades. Vale a pena lembrar disso sempre. Se nossos filhos estão jogando as coisas, tem motivo, e o motivo é uma necessidade que não foi satisfeita. Na verdade, duas.

Motivo nº1

As crianças podem estar com fome, com sono, frustradas ou muito chateadas. Mas adultos sentem tudo isso e não jogam coisas. Por que crianças sim?

A diferença, aqui, entre adultos e crianças, muito mais do que a capacidade cerebral de controlar o próprio comportamento, é a capacidade de falar com facilidade. Para os adultos, falar é fácil. Por isso, adultos irritados gritam, em vez de arremessar cadeiras. Não é que todos nós sejamos mestres da calma, mas nós temos como despejar nossa fúria pela boca.

Para as crianças, isso não é fácil. Elas não tem muito vocabulário, articular palavras é uma conquista recente, e frases são uma novidade que elas ainda estão tentando dominar. Então, o mal estar não tem válvula de escape verbal, e elas extravasam fisicamente. Nesse caso, a solução no momento é se abaixar e falar com a criança com muita calma. Com uma calma quase exagerada. Justamente porque ela está muito agitada e explosiva, nós precisamos ser poços de tranqüilidade e aceitação. Aceitação, não permissão. Podemos perguntar o que aconteceu, ou podemos dizer algo como: “Você está bravo. Você pode ficar bravo, eu entendo você. Você não pode jogar coisas. Mas podemos lavar o rosto (ou dar um abraço, ou tomar banho, ou o que ajuda seu filho a ficar bem). Vamos?”.

Motivo nº2

As crianças podem estar com vontade de jogar coisas. Pode ser simples desse jeito. Crianças têm fases para desenvolver habilidades: a fase de caminhar, a de escalar, a de subir e descer escadas, carregar coisas pesadas e… jogar. 

Os primeiros três anos são um período muito intenso de desenvolvimento, de movimento, e jogar é um movimento.

Se a criança que convive com você está jogando coisas o tempo todo, mesmo quando parece bem, e o motivo claramente não é uma tempestade emocional, então ela joga por prazer. A solução aqui é mais fácil e mais divertida.

Você pode fazer uns saquinhos de areia, ou comprar bolinhas pesadas, e encher um cesto com eles. Depois, pode colocar um bambolê no chão ou colocar um outro cesto vazio a alguns centímetros (e depois alguns metros) do primeiro. Pronto. Agora você transformou jogar em um jogo. E as coisas vão melhorar.

Lembretes:

Tanto no primeiro caso quanto no segundo, as coisas não vão dar 100% de resultado da primeira vez. É, eu sei, eu também queria, mas não vão. Você vai precisar fazer algumas vezes seguidas. E nas situações em que sua criança estiver emocionalmente mal, você vai precisar descobrir a causa verdadeira do mal estar (a gente tem um passo a passo aqui) e arrumar isso. Mas uma vez que você coloque as soluções em prática, e as necessidades sejam atendidas, o comportamento se transforma. Isso é o que existe de incrível em comportamentos: eles podem mudar, se as necessidades forem atendidas.

Gabriel Salomão

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As Crianças Precisam dos Estímulos mais Delicados

Depois de crescidos, o céu azul é o céu de todo dia. Mas quando nós estamos vendo o céu azul pelas primeiras vezes, ele é cheio de novidades. Nada é “de todo dia” na primeira infância. Tudo é novo, e interessante. Cada detalhe importa.

Nós nos acostumamos a pensar que sons agudos e altos, cores fortes e brilhantes, chamam a atenção das crianças, e que crianças gostam dessas coisas. Mas cores fortes e sons altos chamam a atenção de qualquer pessoa. As crianças, que ainda estão aprendendo a identificar o que é importante e o que não é, prestam atenção ao que é agudo e brilhante, porque é um estímulo mais forte que os outros. Mas elas não gostam dessas coisas.

Elas, como nós, gostam da delicadeza.

Uma criança de dois anos pode, e talvez o seu filho já tenha feito isso, parar no meio de uma caminhada para acompanhar um inseto na parede, ou para ver uma plantinha escapando de uma rachadura no chão. Isso é importante para ela. Não é alto, nem agudo, nem brilhante. Mas importa. Ela se alimenta das pequenas coisas do mundo, e com essas pequenas coisas ela faz uma coisa grande: o ser humano que ela será um dia.

É uma escolha de educação se vamos oferecer só as coisas brilhantes e fortes e altas para as crianças, ou se vamos privilegiar as delicadas. As crianças preferem as delicadas.

As coisas delicadas nos alimentam, mas também nos descansam. Ninguém fica exausto porque viu muitas flores. Ninguém sente dor de cabeça porque ouviu muito os passarinhos cantando nas árvores. As crianças gostam das flores e dos passarinhos, como gostam das batatas na sua fruteira e do cheiro que fica no banheiro depois que alguém toma um banho quente. Elas percebem essas coisas, e dizem: “Hum! Que cheiroso!”. Isso é uma criança fascinada, impressionada, estimulada.

Na comparação entre a suavidade do aroma de shampoo que fica no vapor do banheiro depois do banho, e as imagens fortes, rápidas e extremamente coloridas de um desenho animado, o que nós temos é, de um lado, a delicadeza, e do outro, um estímulo rude e mal acabado. Quase uma indelicadeza, mesmo.

Nesse sentido, é indelicado com nossas crianças entregar a elas estímulos tão fortes, quando elas sabem apreciar, até mais do que nós, os mais suaves.

Quando morávamos em um apartamento, às vezes meu filho me chamava para ver o pôr do sol. Eu podia estar ocupado, com trabalho, louça ou… trabalho. Mas ele me chamava e eu ia rápido, porque se demorasse, eu ouvia: “Ah, agora mudou”. Porque o pôr do sol é rápido assim. E as crianças são assim sensíveis.

A gente pode viver na delicadeza. Aproveitar o cheiro gostoso do manjericão recém cortado, o barulho da chuva nas telhas e o do vento nas frestas das janelas, as cores do pôr do sol e o jogo de luz e sombra assim que amanhece. O mundo todo é cheio de estímulos, o mundo todo é uma festa, se a gente prestar atenção, e as crianças prestam atenção. Elas não precisam dos nossos estímulos artificiais o tempo todo, das nossas buzinas, os nossos gritos, as nossas explosões. Elas precisam da outra coisa: o nosso silêncio, a nossa paciência, a nossa espera, e a nossa sensibilidade e presença para notar essas pequenas coisas, esses milhares de pequenas coisas, que formam o mundo inteiro.

Gabriel Salomão

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Ajude-me a fazer sozinho

Muitas pessoas ficam surpresas quando visitam uma sala de aula Montessori. Elas vêem crianças alegremente realizando seu trabalho, às vezes por longos períodos de tempo, sem qualquer sinal de tédio ou exaustão. Os visitantes às vezes perguntam: “Qual é o segredo? Por que eles estão trabalhando com tanta alegria e cooperatividade? O Método Montessori baseia-se em alguns princípios fundamentais, incluindo: respeito pela criança, liberdade dentro dos limites e promoção da independência e da unidade social.

Um princípio abrangente da filosofia Montessori é a liberdade. Na sala de aula, a cada criança é dada tanta liberdade quanto ela possa lidar. A liberdade, no ambiente Montessorianos, é equilibrada com diretrizes de comportamento claras, consistentes e razoáveis. Quando as crianças experimentam a liberdade para se mover, conversar, escolher suas atividades, etc., elas ganham independência. Dessa forma, os pequenos desenvolvem atitudes cada vez mais independentes, sua verdadeira natureza brilha, e eles freqüentemente exibem traços de caráter positivos, tais como: confiança, alegria, coragem, determinação e curiosidade.

Como adultos, podemos oferecer oportunidades para as crianças expressarem sua crescente independência. Às vezes, isso pode ser tão simples quanto dar tempo e espaço para a criança descobrir uma idéia ou resolver um problema por conta própria. Para pais e professores Montessorianos, pode ser bastante desafiador aceitar incondicionalmente o trabalho de uma criança (tentativas, falhas, etc.) sem corrigir. É importante lembrar que a criança está aprendendo e naturalmente aperfeiçoará suas habilidades ao longo do tempo.

Abaixo listamos algumas tarefas significativas que mesmo as crianças pequenas podem fazer de maneira independente em casa:

Vestir-se

Para ajudar a criança a se vestir, é melhor fornecer apenas algumas opções de roupas de cada vez. As peças podem ser armazenadas em uma cômoda ou prateleira baixa que a criança possa acessar com facilidade. Ao escolher roupas, é melhor selecionar itens que a criança possa colocar sozinha sem muita complicação.

Cuidar-se

Crianças pequenas muitas vezes gostam de realizar suas próprias rotinas de higiene, incluindo: escovar os dentes e cabelos, lavar o rosto e as mãos, assuar os narizes, aplicar loção e protetor labial, etc. Os adultos podem mostrar como usar objetos e produtos para higiene pessoal utilizando-os em si mesmos.

Preparar um lanche ou refeição

Com um pouco de orientação, as crianças pequenas podem preparar lanches simples e saudáveis ​​para si mesmas. Algumas idéias incluem: ovos cozidos, biscoitos com cream cheese ou geléias, iogurte, frutas fatiadas, smoothies, e muito mais! Receitas de cozimento simples são sempre um sucesso também!

Cuidar do lar e da limpeza

Varrer, dobrar toalhas, manusear o aspirador de pó, entre outras, são tarefas que seu filho pode fazer sozinho! As crianças pequenas normalmente têm bastante interesse em participar das tarefas domésticas do dia a dia. Elas também podem regar plantas, cuidar do jardim, dos animais de estimação da família, lavar pratos e outras atividades domésticas comuns. Em uma sala de aula Montessori, você verá crianças cuidando de si e de sua sala de aula. Essas atividades são profundamente significativas para o desenvolvimento físico, intelectual e emocional da criança. Não forçamos as crianças a participar dessas tarefas, de modo que elas não sejam chamadas de tarefas na sala de aula. As crianças são convidadas a participar e mostramos uma maneira simples de realizar a tarefa. Quando as crianças se envolvem em atividades significativas e interessantes, elas naturalmente experimentam a alegria do trabalho.

Gabriel Salomão

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Porque Devemos Caminhar com Nossos Filhos

As crianças gostam de caminhar, e adoram caminhar conosco. Nós nem sempre percebemos como as caminhadas que fazemos juntos são preciosas, e como guardam chances de momentos lindos e futuras memórias de amor. Caminhar junto pode ser o único momento sem distrações eletrônicas que temos com nossas crianças e pode ser a hora do dia em que nossos filhos abram seus pequenos corações, e nos falem de sua vida e suas descobertas.

Especialmente a partir dos dois anos, as crianças adoram uma boa caminhada. Foi nessa idade que eu comecei a caminhar com meu filho, e a testemunhar sua alegria quando podia, sem pressa, subir e descer dos degraus, correr pelas rampas e pular nos desníveis da calçada. Hoje, quando caminhamos juntos, eu escuto sobre os amigos da escola e o que lhe agrada e revolta, e que ele não diz quando estamos parados ou ocupados com nossos afazeres domésticos.

Montessori nos ensina a caminhar com nossos filhos:

[a criança] caminha com uma finalidade totalmente diferente da nossa. O adulto anda para chegar a uma meta externa e segue diretamente para ela; além disso, tem no passo um ritmo já estabelecido, que o transporta quase mecanicamente. A criança anda para elaborar suas próprias funções e, portanto, tem um objetivo criativo por natureza. É lenta e ainda não possui um ritmo de passadas ou uma finalidade. Sente-se, porém, atraída pelas coisas e abrir mão de seu próprio ritmo, de sua meta.

Maria Montessori, em A Criança

Caminhar devagar, desviar do caminho, se perder um pouco do destino, esquecer o que viemos fazer na rua… e achar a rua, achar o caminho, nas pegadas de nossos filhos, nos passos da criança. Essa talvez seja uma das formas belas de cumprir a sugestão de Maria Montessori: “Siga a criança”. Ao caminhar junto, nós podemos seguir.

Quando caminhamos com nossos filhos, não caminhamos para chegar. Então esperar é possível, sentar-se na calçada para olhar qualquer coisa no chão é permitido. Encostar na parede enquanto eles sobem e descem nas rampas e nas escadas das casas é permitido. Correr é permitido. E andar muito devagar também é.

O que vale é a mágica.

E ai, depois de alguns metros, se nossos filhos são um pouco maiores, quatro, cinco anos, eles começam a falar, e nós podemos conhecer o que era escondido pelo correr da vida. Contam do que gostam e o que lhes alegra, falam dos desgostos e das tristezas, e perguntam muito. Perguntam sem fim. Mais do que responder, essa pode ser nossa chance de conversar.

Nós talvez tenhamos nos habituado a observar as crianças e aprender com seu comportamento. Mas aí temos outra chance: ouvir a criança e aprender com suas histórias. Descobrir seus interesses se torna possível, porque elas param para uma flor, um inseto, um carro, uma pessoa.

Caminhar abre caminhos. Caminhos para a convivência, o afeto, a comunhão e a união mais profunda entre pais e filhos. Mas para isso precisamos caminhar para caminhar. Não para chegar. O que vale é o passo que estamos dando, nas pegadas de nossos filhos. Seguindo a criança – ainda que ao seu lado. Seguindo a criança, como quem segue a primeira estrela, nós vamos conhecer a verdade da vida, e ela nos libertará – a nós e nossos filhos.

Gabriel Salomão

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Só quem vive bem os agostos é merecedor da primavera!

Lembro-me bem! Foi quando julho se foi, que um vento mais gelado, mais destemperado, que arrastava ainda folhas deixadas pelo outono, me disse algumas verdades. Convenceu-me de que o céu começaria a apresentar metamorfoses avermelhadas. Que a poeira levantada por ele daria lições de que as coisas nem sempre ficam no mesmo lugar e que é preciso aceitar que a poeira só assenta depois que os redemoinhos se vão.

Foi quando julho se foi que a minha solidão me convidou para uma conversa. E me contou de tempo de esperas. E me disse que o barulho das árvores tinha algo a dizer sobre aceitação. E eu fiquei pensando como elas, as árvores, aceitam as estações que, se as estremecem, também lhes florescem os galhos. Mas tudo a seu tempo. Foi em agosto que descobri que os cachorros loucos são, na verdade, os uivos que não lançamos ao vento. São nossos estremecimentos particulares que a nossa rigidez de certezas não nos permite encarar.

O mês de agosto tem muito a ensinar. Porque agosto é mês jardineiro, é dentro dele, berço do inverno, que as sementes dormem. Aguardam seu tempo de brotar. Agosto é guardador da boa-nova, preparador de flores. Agosto é quando Deus deixa a natureza traduzir visivelmente o tempo das mutações.

Mude, diz agosto, em seu recado de sementes. Aceite, diz agosto, com seu jeito frio de vento que levanta poeira e a faz avermelhar o céu. Compartilhe, diz agosto. Agasalhos, sopas quentinhas, cafés com chocolate, abraços mais apertados – eles também aquecem a alma e aninham o corpo. Distribua mais afetos, que inverno é acolhimento, é tempo de preparar setembro. E, de setembro, todos sabemos o que esperar. Esperamos a arrebentação das cores, que com seus mais variados nomes vêm em forma de flores.

Vamos apreciar agosto, recebê-lo com o espanto feliz de quem não desafia ventos. Que ele desarrume e espalhe suas folhas e levante suas poeiras.

Aceite as esperas, mas coloque floreiras na janela.

Só quem vive bem os agostos é merecedor da primavera!

Miryan Lucy de Rezende

Escritora e Educadora Infantil

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Precisamos Deixar as Crianças Fazerem Dez Vezes a Mesma Coisa?

Todos nós, já passamos por isso: olhamos nosso filho, e ele está lá lavando as mãos. Quinze minutos depois vamos procurar, e ele esta lá. Ainda! Se prestarmos atenção, perceberemos que ele também repete dezenas de vezes outras coisas: colocar e tirar as meias, subir e descer as escadas… Repete tudo! Por quê?

Ele está aprendendo, claro. Mas parece ser mais do que isso. Mesmo quando ele já coloca as meias com toda a facilidade, continua repetindo. Precisa haver mais fatores em jogo, além do aprendizado. E há mesmo. Pelo menos três, que podem mudar a forma como vemos cada ação de nossos filhos:

1. Aprendizado: Sim, ele está acontecendo. Mas não só como a gente imagina. A gente imagina o aprendizado assim:

Mas ele é mais parecido com isso:

Se você aprendeu uma língua, um instrumento musical, ou qualquer coisa nova e difícil nos últimos tempos, passou por um caminho parecido com o segundo, e não com o primeiro. As crianças precisam aprender todas as coisas da vida, e passam pelo segundo caminho todos os dias, várias vezes. Repetir é a única forma de aprender.

2 – Superar Frustrações – Quando estamos nas partes difíceis do aprendizado, nós só sabemos que não sabemos. E isso não é sempre tranqüilo. Reconhecer a própria ignorância e as dificuldades que ainda estão pela frente pode ser desanimador. Tudo que o que vemos, às vezes, é um abismo de incertezas.

Falta coragem para continuar se a criança não puder confiar no que vem depois. Se a criança só puder fazer as coisas duas ou três vezes, o caminho dela é assim:

Tudo acaba na frustração. E se isso acontecer vezes suficientes, a criança aprenderá que todo começo de aprendizado só tem um fim: a frustração. Por outro lado, se permitirmos que a criança repita quantas vezes quiser, ela atravessa vários períodos de frustração, mas o fim do caminho é a conquista de um novo conhecimento ou uma nova habilidade. A frustração deixa de ser aterrorizante, ela passa a valer a pena.

3. Fluxo – Quando mergulhamos no processo de aprendizado ou descoberta de forma profunda o suficiente, em algum momento esquecemos de nós mesmos e nos entregamos ao que estamos fazendo. Esquecemos da fome e da sede, do corpo e das necessidades dele, de tudo que está em volta e de tudo o que precisaremos fazer mais tarde. Só existe aquilo que estamos fazendo.

Esse estado de entrega e concentração profunda foi descoberto por Mihaly Csikszentmihalyi, psicólogo húngaro, e ele também descobriu que o Fluxo está diretamente relacionado, não só com aprendizado de alta qualidade, mas também com níveis muito bons de bem-estar, serenidade e motivação.

Quando as crianças já sabem fazer o que estão fazendo, e mesmo assim continuam, estão aperfeiçoando alguma coisa invisível para nós. Pode ser que já saibam lavar as mãos, mas ainda estejam desenvolvendo a capacidade de superar a frustração, ainda estejam aprofundando a concentração, e ainda estejam aprendendo a entrar em estado de fluxo. Tem muita coisa que nós não podemos ver.

Quando seu filho estiver na décima segunda repetição da mesma coisa, deixe continuar. Ele pode já ter construído o aprendizado. Agora, está na segunda parte: a construção de um ser humano.

Gabriel Salomão

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A Alfabetização do Silêncio

O som. Nós somos apaixonados pelo som. Falamos e ouvimos o tempo todo. Quase não vivemos sem música e ruído. Interrompemos as brincadeiras silenciosas de nossas crianças com nossas palavras e quando alguém está em silêncio perguntamos: No que você está pensando? Está tudo bem?

No som, temos segurança. Na ausência dele, sentimos perigo. Mas o som não é tudo o que há. Há o seu avesso. E se o som é infinito e são possíveis infinitas combinações de ruídos e notas musicais, também é assim no silêncio.

Há o silêncio da concentração, o da alegria imensa, o da serenidade contente, o da tristeza, o da saudade, há o silêncio de quem não sabe o que dizer e de quem não pode dizer o que sabe, há o silêncio finalmente alcançado e o silêncio forçado sobre nós. Há milhões e milhões de silêncios, como há milhões e milhões de palavras. Então, assim como existe uma alfabetização das palavras, um vocabulário sonoro, deve haver um vocabulário silencioso e uma alfabetização do silêncio.

Quase não existe saída, o barulho está em toda parte. O barulho vem de fora de nós, da TV, dos celulares, das vozes, e de dentro de nós, do pensamento que nunca pára, da nossa eterna playlist interior. Quase não dedicamos tempo a nos alfabetizarmos sobre o silêncio. Isso prejudica nossas relações com os outros e conosco, interfere na nossa paz e cria rachaduras na nossa consciência do que está acontecendo agora.

O silêncio pode ser duas coisas principais:

Primeiro, o silêncio pode ser a ausência do som. Esse é só um primeiro e pobre passo. Pode ser forçado, e aí é triste. Existe o silêncio do que é proibido dizer. Às vezes um olhar nos cala, um sinal de mão, uma cotucada, uma ameaça, um medo.

Então, vamos chamar esse primeiro de silêncio do medo. O silêncio do medo aparece quando não falamos porque alguma coisa externa ou interna pode acontecer. Nós, se falarmos, teremos de enfrentar monstros dentro ou fora de nós.

Nossas crianças habitam o silêncio do medo com mais freqüência do que deveriam. Não falam porque mandamos que calem, ou porque temem reprimenda. Esse é o silêncio pai da mentira. Primeiro nada se diz, e depois nesse silêncio venenoso tudo se transforma, a realidade assume uma forma menos ameaçadora, e a mentira nasce. Esse silêncio deforma a linguagem, que deveria expressar a maior verdade de nós mesmos, e passa a expressar o que os outros querem ouvir. O silêncio do medo é perigoso. Mas existe algo mais perigoso que ele.

O silêncio do medo muitas vezes se esconde debaixo de uma camada de sons. Desenhos animados, joguinhos, música demais, séries de TV, conversas artificiais. E aí não precisamos falar aquilo e vamos falando outras coisas. Até ter que olhar o silêncio do medo, e usar algum artifício para dormir rápido.

Felizmente, o silêncio do medo tem um irmão. Um irmão protetor, maior que ele, que pode cuidar dele. Um irmão infinito. Claro, ele é o silêncio da coragem.

O silêncio da coragem é selvagem. Nunca sabemos o que vai sair dele. É nele que habitamos quando, um instante antes de convidar o filho para o banho de esguicho, já nos alegramos com a transgressão. Quando, logo antes de um abraço, já nos alegramos com o carinho. O silêncio da coragem é a selva que nós somos antes de domesticarmos tudo para falar.

As nossas crianças podem habitar também esse silêncio. Quando ficam em sua brincadeira até terminarem, sem nenhuma interrupção. Quando descobrem um bicho no jardim e não nos tem aos ombros perguntando o que foi que acharam. Quando sentem a água da pia nas mãos sem precisar fechar a torneira já. Quando estão tristes e podem ficar tristes até a tristeza fazer sentido e então, devagar, ir embora. Tudo isso é um imenso suspense. É estar no espaço vazio e imenso do agora, sem saber quando ele vai acabar.

O silêncio da coragem é o que dá origem às nossas palavras mais verdadeiras. As decisões importantes e corretas, as declarações profundas, os manifestos contundentes nascem todos do silêncio da coragem. Um silêncio selvagem que perde todo o seu potencial se for domesticado. Precisa ser selvagem, até que nós atravessemos a selva e possamos trazer um pouco dela – daquela imensidão da selva – para o dia-a-dia das nossas vidas. A criança faz isso o tempo todo, se nós deixarmos.

Precisamos aprender a ficar em silêncio, habitar com ele, ouvir a selva, ouvir o medo. Precisamos ajudar nossas crianças no processo de alfabetização também. Basicamente, nós só precisamos dar espaço, para elas irem e voltarem da selva. E permitir que elas tragam da sua selva o que quiserem. E não amedrontar.

A alfabetização no silêncio pode ser longa. Demora para a alfabetização virar fluência, proficiência. E tudo bem. Ser alfabetizado já é grande, e já ajuda a fazer sentido dos tipos de silêncio que habitamos. Uma vez que nos alfabetizamos no silêncio, é como aprender a ler: todo o mundo que não conhecíamos se revela. E nós vivemos com mais essa parte do mundo. E viver com mais um mundo é ter mais uma chance. Um mundo novo para as nossas relações, a nossa família, as nossas vontades e as nossas emoções.

É uma selva, algumas vezes. Em outras é uma luz iluminando de um jeito novo caminhos antigos, nos permitindo descobrir o caminho todo novamente. O silêncio é um dos caminhos mais belo e tranqüilo para a paz.

Gabriel Salomão

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Montessori e o Movimento na Formação da Personalidade

Você já reparou que as crianças ficam mais tranqüilas quando podem se movimentar à vontade? Isso não tem a ver só com “gastar energia”. Nem sempre essas crianças ficam mais cansadas. Elas ficam mais em paz. E na infância, ficar em paz é um sintoma de que as necessidades do desenvolvimento estão sendo atendidas.

Quando pensamos na formação da inteligência da criança, pensamos em estímulos e oportunidades para ver, ouvir e pensar sobre coisas interessantes. A inteligência e o corpo, na maior parte do tempo, estão completamente desligados na visão de mundo do adulto.

Maria Montessori lembra que usamos expressões como “flor” e “anjo” para falarmos de crianças. Ela ainda nos lembra que flores são imóveis e que o vôo dos anjos acontece em um outro mundo, sem incomodar os adultos.

Quando mostramos qualquer coisa interessante à criança: a figura de um cachorro ou o cheiro de uma flor, nossa expectativa não é que ela veja ou cheire. Mas que a visão da imagem ou o aroma da flor formem uma impressão na sua mente, e que ela aprenda a reconhecer essas coisas, ou a beleza delas.

“Ver e ouvir”, diz Montessori, “não têm a menor importância, mas, vendo e ouvindo, a personalidade do eu se forma, se mantém, goza e se desenvolve”. Ela, em seguida, adiciona: o mesmo se pode dizer do movimento. “O problema fundamental da vida humana, e, portanto, da educação, é que o eu consiga animar e tomar posse de seus próprios instrumentos motores”.

Montessori está nos dizendo que o objetivo mais importante da vida humana na primeira infância é controlar os movimentos com a inteligência. Isso não é simples nem é pouco.

Poucas semanas depois de nascida, a criança começa a tentar dominar seus movimentos, e nós deixamos que ela faça isso livremente, enquanto fica deitada, sem conseguir se sentar. Mas a partir do momento que a criança anda, nós a impedimos de executar seus movimentos com liberdade. Temos medo, por ela e por nossos objetos, e deixamos que esse medo seja um obstáculo ao seu desenvolvimento.

O medo funciona como uma enorme pedra no meio de um rio. O corpo e a inteligência da criança vêm caminhando juntos: a inteligência comandando o que o corpo executa, e o corpo oferecendo à inteligência um mecanismo perfeito para compreender o mundo. E então esse fluxo encontra o medo do adulto. O obstáculo força o fluxo a se separar.

Para um lado vai o corpo, sem um mente para o comandar. Para outro, a mente, sem ter quem execute suas ordens e alcance o mundo para ela. O que ocorre é que os movimentos da criança ficam descontrolados, e na melhor das hipóteses, seu emocional fica instável. Porque a criança não aceita essa separação e sabe que precisa retomar seu desenvolvimento, ela entra em embates freqüentes com o adulto, ficando exausta, mais instável emocionalmente e com movimentos cada vez mais aleatórios.

Se formos capazes de oferecer a ela a chance de provocar o reencontro da inteligência e do movimento, ela faz isso. Para ajudar, podemos fazer convites: abrir buracos na terra para plantar, pendurar roupas no varal ou lavar a porta do box com água. Atividades atrativas para a criança vão trazer sua atenção para o movimento, e vão permitir o reencontro da mente com o corpo.

Você perceberá primeiro uma sutil melhora, e depois uma firme recuperação, do controle físico e da estabilidade emocional das crianças. Isso é a criança livre para criar a si mesma, em ação. Quando isso ocorre, o equilíbrio se instala, e o eu tem chances de se formar em paz.

Gabriel Salomão