Precisamos aceitar que crianças jogam coisas. Temos vontade de resistir. Jogar parece errado. Jogar contraria o apego que sentimos pelos objetos, e parece agressivo e desnecessário. Mas e se jogar não fosse nada disso?
Todas as crianças jogam coisas. Não é o seu filho, nem o filho da sua vizinha que não sabe ser mãe. São todas as crianças. E para quase todas elas, jogar fica interessante entre um ano e meio e três anos. Todas jogam com a mesma vontade e pelos mesmos motivos. E agora, a boa notícia: todas elas podem aprender a não jogar da mesma forma.
O que faz com que crianças joguem coisas?
Há muitas causas em jogo. É bom começarmos lembrando de um fato sobre crianças: necessidades geram comportamentos, e comportamentos são sempre fruto de necessidades. Vale a pena lembrar disso sempre. Se nossos filhos estão jogando as coisas, tem motivo, e o motivo é uma necessidade que não foi satisfeita. Na verdade, duas.
Motivo nº1
As crianças podem estar com fome, com sono, frustradas ou muito chateadas. Mas adultos sentem tudo isso e não jogam coisas. Por que crianças sim?
A diferença, aqui, entre adultos e crianças, muito mais do que a capacidade cerebral de controlar o próprio comportamento, é a capacidade de falar com facilidade. Para os adultos, falar é fácil. Por isso, adultos irritados gritam, em vez de arremessar cadeiras. Não é que todos nós sejamos mestres da calma, mas nós temos como despejar nossa fúria pela boca.
Para as crianças, isso não é fácil. Elas não tem muito vocabulário, articular palavras é uma conquista recente, e frases são uma novidade que elas ainda estão tentando dominar. Então, o mal estar não tem válvula de escape verbal, e elas extravasam fisicamente. Nesse caso, a solução no momento é se abaixar e falar com a criança com muita calma. Com uma calma quase exagerada. Justamente porque ela está muito agitada e explosiva, nós precisamos ser poços de tranqüilidade e aceitação. Aceitação, não permissão. Podemos perguntar o que aconteceu, ou podemos dizer algo como: “Você está bravo. Você pode ficar bravo, eu entendo você. Você não pode jogar coisas. Mas podemos lavar o rosto (ou dar um abraço, ou tomar banho, ou o que ajuda seu filho a ficar bem). Vamos?”.
Motivo nº2
As crianças podem estar com vontade de jogar coisas. Pode ser simples desse jeito. Crianças têm fases para desenvolver habilidades: a fase de caminhar, a de escalar, a de subir e descer escadas, carregar coisas pesadas e… jogar.
Os primeiros três anos são um período muito intenso de desenvolvimento, de movimento, e jogar é um movimento.
Se a criança que convive com você está jogando coisas o tempo todo, mesmo quando parece bem, e o motivo claramente não é uma tempestade emocional, então ela joga por prazer. A solução aqui é mais fácil e mais divertida.
Você pode fazer uns saquinhos de areia, ou comprar bolinhas pesadas, e encher um cesto com eles. Depois, pode colocar um bambolê no chão ou colocar um outro cesto vazio a alguns centímetros (e depois alguns metros) do primeiro. Pronto. Agora você transformou jogar em um jogo. E as coisas vão melhorar.
Lembretes:
Tanto no primeiro caso quanto no segundo, as coisas não vão dar 100% de resultado da primeira vez. É, eu sei, eu também queria, mas não vão. Você vai precisar fazer algumas vezes seguidas. E nas situações em que sua criança estiver emocionalmente mal, você vai precisar descobrir a causa verdadeira do mal estar (a gente tem um passo a passo aqui) e arrumar isso. Mas uma vez que você coloque as soluções em prática, e as necessidades sejam atendidas, o comportamento se transforma. Isso é o que existe de incrível em comportamentos: eles podem mudar, se as necessidades forem atendidas.
Gabriel Salomão