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As Crianças Precisam dos Estímulos mais Delicados

Depois de crescidos, o céu azul é o céu de todo dia. Mas quando nós estamos vendo o céu azul pelas primeiras vezes, ele é cheio de novidades. Nada é “de todo dia” na primeira infância. Tudo é novo, e interessante. Cada detalhe importa.

Nós nos acostumamos a pensar que sons agudos e altos, cores fortes e brilhantes, chamam a atenção das crianças, e que crianças gostam dessas coisas. Mas cores fortes e sons altos chamam a atenção de qualquer pessoa. As crianças, que ainda estão aprendendo a identificar o que é importante e o que não é, prestam atenção ao que é agudo e brilhante, porque é um estímulo mais forte que os outros. Mas elas não gostam dessas coisas.

Elas, como nós, gostam da delicadeza.

Uma criança de dois anos pode, e talvez o seu filho já tenha feito isso, parar no meio de uma caminhada para acompanhar um inseto na parede, ou para ver uma plantinha escapando de uma rachadura no chão. Isso é importante para ela. Não é alto, nem agudo, nem brilhante. Mas importa. Ela se alimenta das pequenas coisas do mundo, e com essas pequenas coisas ela faz uma coisa grande: o ser humano que ela será um dia.

É uma escolha de educação se vamos oferecer só as coisas brilhantes e fortes e altas para as crianças, ou se vamos privilegiar as delicadas. As crianças preferem as delicadas.

As coisas delicadas nos alimentam, mas também nos descansam. Ninguém fica exausto porque viu muitas flores. Ninguém sente dor de cabeça porque ouviu muito os passarinhos cantando nas árvores. As crianças gostam das flores e dos passarinhos, como gostam das batatas na sua fruteira e do cheiro que fica no banheiro depois que alguém toma um banho quente. Elas percebem essas coisas, e dizem: “Hum! Que cheiroso!”. Isso é uma criança fascinada, impressionada, estimulada.

Na comparação entre a suavidade do aroma de shampoo que fica no vapor do banheiro depois do banho, e as imagens fortes, rápidas e extremamente coloridas de um desenho animado, o que nós temos é, de um lado, a delicadeza, e do outro, um estímulo rude e mal acabado. Quase uma indelicadeza, mesmo.

Nesse sentido, é indelicado com nossas crianças entregar a elas estímulos tão fortes, quando elas sabem apreciar, até mais do que nós, os mais suaves.

Quando morávamos em um apartamento, às vezes meu filho me chamava para ver o pôr do sol. Eu podia estar ocupado, com trabalho, louça ou… trabalho. Mas ele me chamava e eu ia rápido, porque se demorasse, eu ouvia: “Ah, agora mudou”. Porque o pôr do sol é rápido assim. E as crianças são assim sensíveis.

A gente pode viver na delicadeza. Aproveitar o cheiro gostoso do manjericão recém cortado, o barulho da chuva nas telhas e o do vento nas frestas das janelas, as cores do pôr do sol e o jogo de luz e sombra assim que amanhece. O mundo todo é cheio de estímulos, o mundo todo é uma festa, se a gente prestar atenção, e as crianças prestam atenção. Elas não precisam dos nossos estímulos artificiais o tempo todo, das nossas buzinas, os nossos gritos, as nossas explosões. Elas precisam da outra coisa: o nosso silêncio, a nossa paciência, a nossa espera, e a nossa sensibilidade e presença para notar essas pequenas coisas, esses milhares de pequenas coisas, que formam o mundo inteiro.

Gabriel Salomão

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